Sobre correr já falei aqui no Blog da Andi: tem um poder espetacular de literalmente ‘te fazer mover’.
A questão que discuto hoje tem relação com a capacidade que temos de aprender com a atividade física de se doar: desde que passamos pelo tratamento do câncer da Andi iniciamos uma jornada de nos aprofundarmos nas necessidades de mantermos o físico, mental e espiritual em linha com nosso aprendizado. E é sobre isso que a corrida de hoje tem relação.
Antes de correr
A Andi vinha se preparando para o dia de hoje há muitos meses: desde que terminou seu tratamento ela se dispôs a mudar o estilo de vida em busca de um equilíbrio que até então não tinha: espiritual, físico e mental.
Isso incluiu as rotinas de exercícios físicos, e eu REALMENTE sei o quanto isso foi uma batalha interna para ela – Digo para ela porque sempre gostei de me exercitar mas a disciplina que ela empregou nesse aspecto é de sincero e genuíno sentimento de admiração: as rotinas semanais são outras desde então. 2, 3 ou mais vezes por semana os dias iniciam com atividade física.
Meu plano na esfera física era atingível: eu sabia que poderíamos correr os primeiros 5 KM num ritmo de 6 min/km – Talvez menos. A partir dali teríamos de adotar um ritmo mais lento, algo próximo a 7 min/km. Foi assim que aconteceu. Na tampa.
Na corrida
Correr 10 km de forma contínua exige um preparo que nem todos nós temos. Ir além disso é motivo de extrema admiração para mim. Sei que iremos mas isso exigirá ainda maior preparação.
Até os 3 km tivemos a companhia de diversas pessoas, inclusive da família, e isso nos fez perceber o trajeto mais leve. Dali pra frente tivemos nossa própria batalha interna.
Da minha forma pus meu melhor para trabalhar: queria que ela fizesse o melhor tempo dela. Não tinha preocupação comigo. Minhas batalhas são internas e minhas corridas são uma luta dura e intensa contra mim mesmo e sendo honesto não preciso de corridas para saber lutar com essas batalhas. Minha presença tinha um propósito: auxiliar a Andi a concluir no melhor que pudéssemos fazer juntos.
Aos poucos buscava ela para uma rápida conversa:
“Tudo bem?”
“Mantemos o ritmo?”
Concluindo a corrida
10 km não representa nem 1/4 de uma maratona. Mas cada km que corremos é uma batalha interna que se desfaz e finaliza ao cruzarmos a linha de chegada.
Quando olhei pra ela, após cruzar a linha, sabia que aquilo era a uma grande batalha que ela venceu, e ela simplesmente precisava de um abraço para celebrar a conquista.
Ela chorou intensa e profundamente pois sabia que vencer a si mesmo era a principal batalha dela. Igualmente a tantas outras vezes que ela já havia feito.
Eu olhava aquele corpo frágil e exausto e pensava: caramba como ela conseguiu mais essa? Por certo já passamos por mais dolorosas, mas veja, nessa jornada havia um componente de voluntariedade – Ela simplesmente queria aquilo ali.
Entendes quão sortudo posso ser por isso?
Termino como de costume:
Conhecer a si mesmo é condição indispensável para conhecer e compreender os outros. Mas devemos nos conhecer em todo o leque de nossas tendências e inclinações, inclusive o medo, a inveja, o ódio, a covardia, a culpa, etc. Se não estamos em contato com esses nossos aspectos (mas também com os desejos, os entusiasmos e as
possibilidades maravilhosas que deixamos morrer), não podemos reconhecê-los nem compreendê-los nos outros, pois assim correríamos o risco de ver revelado o que queremos manter oculto, anestesiado, fora de nossa experiência direta.
Só podemos “ver” a maldade do outro se ela ecoa na nossa.
Só assim podemos reconhecêla. Mas se adormecemos algumas partes de nosso ser, elas deixam de ecoar no mundo “externo” e nosso conhecimento do mundo como um todo se empobrece na mesma medida. Quanto menos estamos em contato com nós mesmos, mais estreito fica o mundo em que vivemos e mais nos inquietam os acontecimentos e os seres humanos: ameaçam nos despertar, indicam nossas partes mortas.E não há nada que detestemos mais do que isso.Pierry Lévy
Quanto mais lúcidos somos de nós mesmos, mais aguda fica a nossa inteligência do mundo.